RELATOS DA MADRUGADA: O Telefone Só Toca de Lá Pra Cá!

Sempre tive um, digamos, relacionamento íntimo com o mundo sobrenatural.

Diziam que na minha infância eu era visto conversando com meu falecido avô e interagindo como se ele estivesse lá. Infelizmente não guardo recordações desta época.

Já na adolescência costumava ver vultos, e num dia durante uma discussão com minha hoje finada avó, um sapato voou do nada e me acertou! Ela disse ter sido meu avô a defendendo. Na época não acreditei mas hoje em dia acredito que aquilo tenha sido real.

Minha família vem de uma terra antiga do Leste Europeu, oriunda de locais assombrados e folclore rico e como que por hereditariedade acabamos herdando essa intimidade com o que os olhos comuns não conseguem enxergar.

Acontece que em outubro de 2007 meu pai veio a falecer, vítima de uma doença degenerativa descoberta tardiamente, sem tempo para tratamento. Do diagnóstico ao seu falecimento foram poucas semanas. Fiquei inconsolado.

Semanas se passaram desde o funeral e eu ainda não aceitava a morte de meu pai. Sempre questionava amigos e familiares sobre seus últimos momentos, se ele sofrera sozinho naquele hospital, se estaria no céu, no inferno ou sabe se lá onde e se finalmente estaria em paz, pois ele sempre lutou muito para nos dar o melhor e nunca achei que fôssemos gratos o suficiente.

Certo dia, quase um mês após seus falecimento, numa madrugada agradável de primavera, o telefone tocou. Nos primeiros toques nós fingimos não ouvir (vivíamos na casa eu, minha mãe, avó e uma sobrinha) porém os toques se seguiam insistentemente até que finalmente pararam. Antes de que eu voltasse a pensar em dormir o telefone começou a tocar novamente! 

Me levantei irritado e resolvi ir atender, encontrando minha mãe no corredor que levava a sala e pedi que ela fosse se deitar e que eu "cuidaria daquilo".

Ao atender o telefone, soltei um "Alô!" seco, já esperando algum engraçadinho tentando passar um trote ou inadvertidamente tentando apurrinhar uma família já derrubada pelo luto repentinho. A voz que ouviu me fez congelar. Eu não conseguia gritar, falar ou mesmo respirar, era uma sensação de puro terror percorrendo todo meu corpo.

Ele me respondeu com um "Alô" cansado, quase como se estivesse desfalecendo mas a voz era dele, eu tinha certeza.

Ele me disse: "Jô... (meu apelido de infância) tenho pouco tempo pra falar com você. Estou indo para outro lugar agora e depois não poderei mais falar com vocês por muito tempo... ou nunca... ou..."

Veio um silêncio. Da minha garganta saiu um "p-pai..." gago e fraco, quase inaudível. Pude ouvir uma respiração funda e longa do outro lado da linha e meu pai voltara a falar, desta vez ainda mais embargado, fraco e baixo. Havia um ruído de fundo parecido com o som de chuva ou de um riacho.

"Jô... se cuida... Jô... se cuida e seja bom... aí você terá mais dez anos, ou talvez..."

Então a linha caiu.

Não entendi se a mensagem era relacionada a minha morte, ou se era uma piada devido ao estado de nervos em que eu me encontrava e meu pai sempre teve um senso de humor um tanto indevido.

Estranhamente, assim que desliguei o telefone aquela sensação passou completamente e uma sensação de paz dominou meu corpo e minha mente. Dormi profundamente e no dia seguinte contei o ocorrido a minha família e sei que, ao menos minha mãe acreditou no que eu disse. Lágrimas escorreram de seus olhos e nos abraçamos.

Seja lá o que aconteceu, este telefonema trouxe-me uma sensação de encerramento, finalmente senti que consegui me despedir do meu pai.

Até que um dia nos encontremos novamente.

(Jô, São Paulo/SP, 2008)

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