RELATOS DA MADRUGADA: A Garota da Esquina
A pessoa cujo relato narrarei abaixo pediu que seu nome fosse preservado, então chamareio-o de GC.
Este fato, narrado a mim por GC, ocorreu no bairro do Ipiranga no final dos anos 90.
Era uma noite fria de outono. 1h00 da madrugada e GC retornava caminhando de uma festa pelo trecho urbano da Rodovia Anchieta, próximo ao bairro do Sacomã, em São Paulo/SP.
Ao chegar próximo à sua rua, em meio a garoa forte que caia, não conseguiu deixar de notar uma garota que estava do outro lado da avenida, usando uma saia justa preta, botas e maquiagem carregada já borrada pela chuva que caia. Ele julgara que tratava-se de uma gótica, muito bonita por sinal, contudo parecia confusa, um pouco triste e possivelmente estava alterada, pois tremia de frio, olhando para o vazio em suas poucas vestes. Seus braços estavam cruzados se esfregando numa tentativa de manter-se aquecida.
Terminaram por cruzar seus olhares, porém os olhos profundos e melancólicos causaram em GC nada mais que pavor e repulsa. Um instinto o compeliu a sair imediatamente dalí.
GC virou na esquina de sua casa e prosseguiu pelas quatro quadras que levariam até seu apartamento.
Ao final da primeira quadra, de uma conhecida ladeira da região, GC foi tomado por um pavor além de qualquer explicação racional. O que ele presenciou alí o marcou profundamente de tal maneira que, enquanto me contava esta história era possível ver seus pelos se eriçarem e sua cor se esvanecer.
Daquele momento em diante ele entrou num mundo estranho, participando inadvertidamente de uma experiência de gelar o sangue do homem mais forte. O que aconteceu daquele momento em diante e tornaria eternamente inexplicável.
GC cruzou a rua, seguindo para o segundo quarteirão, quando algo do outro lado da ampla alameda chamou a atenção de sua visão periférica. Ao olhar ele viu lá, na esquina oposta, a mesma garota, parada. Estática, seus olhos eram como dois buracos sem fim na noite e pareciam estar focados ele. Naquele momento ele pensou estar perdendo a razão.
GC fingiu ignorar e apressou o passo.
Não havia uma única alma na rua naquele momento e a garoa apenas se intensificava. A sensação era de agulhas gélidas penetrando em sua carne e olhos famintos observando-o de perto, o tempo todo.
Ao atravessar outra rua e chegar no terceiro quarteirão ele teve o cuidado de olhar para o outro lado e se certificar que não havia nenhuma garota alí. Nada, nem ninguém, apenas o som do vento e os golpes da garoa que atingiam sua face. Ele estava molhado, gelado porém mais aliviado. Diminuindo o passo ele seguia tranquilamente para a etapa final antes de entrar em seu prédio.
Chegando na rua em que cruzaria para o quarto quarteirão e alcançaria finalmente seu dormitório, instintivamente e sem nenhuma intenção, GC olhou para trás e a garota estava alí, atrás dele, a poucos metros.
Neste momento GC congelou de medo. Menos de um segundo depois ele corria desesperadamente como se sua vida dependesse disso.
Entrou correndo no edifício e do Lobby tenta ver se a garota está lá fora. Nada. Sentiu-se salvo.
Sentou-se por alguns minutos numa poltrona e aguardou sua respiração se normalizar. Por um momento ele me disse, sentiu-se um idiota, pois toda a experiência até alí tinha sido permeada de uma sensação estranha, quase onírica, como se ele estivesse tendo um pesadelo acordado.
GC se levantou e apertou o botão para o décimo andar.
Ao entrar no elevador, GC sem querer olhou para porta corta-fogo da escada de emergência. Ele disse quase ter soltado um grito quando identificou alí em meio do escuro da fresta da porta que encontrava-se entreaberta, a silhueta daquela mesma garota que o perseguira.
Seu sangue congela. O elevador sobe ao décimo andar.
Deste momento em diante GC era pura paranóia. Ele chega ao seu andar mas antes de entrar em seu apartamento vai checar às escadas de incêndio.
Ele não vê nada, mas ouve. Passos pesados nos degraus, não abaixo, mas no andar acima e próximos.
Ele não vê nada, mas ouve. Passos pesados nos degraus, não abaixo, mas no andar acima e próximos.
GC entrou correndo em casa, trancou-se, encheu-se de analgésicos e sem tomar um banho, ainda meio molhado, arrancou suas roupas e entrou debaixo de pesados cobertores. Apertou os olhos e não os abriu até a manhã seguinte.
Nas semanas seguintes sua vida foi difícil.
Dominado pela paranóia e pelo medo ele parou de sair após o pôr do sol, não ia mais à festas e baladas e mesmo quando algum amigo o forçava a sair, este era obrigado a acompanhá-lo de volta ou garantir uma carona.
Após alguns meses sua vida se normalizou, mas sempre que ele se lembra daquela noite sua voz fica trêmula e seus pelos se erguem trêmulos.
Quem era a garota? Se tudo aquilo foi imaginação de uma noite de outono paulistano jamais saberemos, mas o que sei com certeza é que essa experiência marcou e mudou a vida de GC.
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